segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A FUNDAÇÃO DAS ARTES NÃO É O ALCINA


Quem mora e circula em São Caetano já sabe. Para quem conhece um pouco menos, vale explicar.

“O Alcina” é a Escola Municipal de Ensino Profa. Alcina Dantas Feijão (antigo Ginásio Comercial), criada em 1967. É a melhor escola paulista segundo o ENEM 2010 e o IDEB 2012 e atua tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio. Sempre foi e ainda é um dos orgulhos dos sancaetanenses. E não é para menos. Um projeto pedagógico consistente, professores dedicados e atenção ao aluno. Quando estudei na escola, de 1989 a 1991, tive uma formação exemplar. Professores como Pacífico, Silvana, Nelson, Daphnes, Kaoru, Miriam foram mestres que inspiraram a minha escolha profissional, ser professor, e proporcionaram que eu passasse no vestibular da FUVEST aos 17 anos, sem passar por cursinho. Tenho o mais profundo respeito por esta instituição e assim que soube que a ex-aluna Alessandra de Siqueira assumiu a direção da escola, mandei uma mensagem torcendo pelo sucesso dessa escola pela qual tenho o maior carinho.

A Fundação das Artes é uma instituição criada em 1968 e que atua na educação e formação de artistas nas áreas de artes visuais, dança, música e teatro. Um dos idealizadores foi Milton Andrade (nosso diretor por muitos anos), que se valeu do lema do então Prefeito Walter Braido (“São Caetano, onde escola não é problema”) para propor algo até hoje inovador: uma fundação municipal que abrigasse escolas para o ensino e formação em artes. Prestes a completar 45 anos, a instituição é uma referência nacional e internacional e seus alunos, ex-alunos e professores estão espalhados pelo mundo todo, inclusive dando aula e trabalhando na instituição. Fui aluno em 1995 e, desde 1998, sou professor desta casa.

Criadas quase na mesma época, são escolas de referência em suas áreas de atuação e... completamente diferentes. Quem conhece o Alcina consegue imaginar estas situações: cada aula começando em um horário diferente, alunos e pais transitando o tempo todo pelos corredores, alunos das mais diferentes idades convivendo juntos, crianças brincando enquanto aulas de adultos ocorrem no espaço ao lado, mães conversando dentro da escola enquanto os filhos fazem aula, alguém estudando em um cantinho enquanto aguarda seu professor chegar? Não, este não é o Alcina, mas assim é a Fundação das Artes.

E você, que conhece uma escola de artes como a Fundação, consegue imaginar todos os alunos, separados por idade, entrando e saindo ao mesmo tempo, com intervalos comuns, sem a circulação diária, o dia todo, de pessoas dando movimento ao espaço, sem alunos tocando instrumentos ao lado de pequenas bailarinas correndo e aprendizes-atores animadamente entoando “A morte de Afonso VI”, com inspetores de corredor monitorando o que acontece? Não, pois isso se parece com o Alcina. No entanto, os inspetores já estão instalados nos corredores da Fundação das Artes a partir de 2013. 

Teixeira Coelho, curador do MASP e um dos grandes pensadores sobre ação cultural, diz que a cultura pode ser entendida como “uma larga conversa”. Afirma que a gestão “deve fazer a viagem da cultura e não o contrário”. Em outras palavras, o que ele diz é que a cultura e as artes necessitam de processos administrativos que entendam sua natureza, sem submeter esta mesma cultura apenas a planilhas e à uma visão legalista. A arte precisa de espaço e de condições para respirar e florescer, não de monitoramento e controle.

Quando foram os divulgados os nomes que comporiam a equipe de Gestão da área da Cultura em São Caetano, circulou a expressão “República do Alcina”, uma alusão ao fato de que vários professores da Escola estavam assumindo cargos comissionados na Secult e Fundação das Artes. Em princípio, essa parecia uma boa notícia, afinal, o Alcina sempre foi reconhecido pela qualidade de seus professores e pelo seu excelente trabalho na cidade.

No entanto, o que se viu foi um conjunto de pequenas ações desastrosas nesse início de administração, principalmente porque, pelo que se pôde entender até o presente momento, o trabalho feito ao longo dos últimos anos foi desconsiderado. Eu não acredito que uma instituição como a Fundação necessite de um artista na administração. Mas, é imprescindível que seja constituída uma equipe que compreenda a dimensão educativa da cultura e que, principalmente, construa as políticas públicas com transparência e com diálogo – o que não aconteceu.

Em 45 dias, uma trajetória de 45 anos foi desconsiderada. Professores e alunos foram desrespeitados e o trabalho de décadas jogado na simples vala da “ilegalidade”, sem contar o incentivo ao discurso bairrista e pouco republicano de que “quem tem realmente direito é o munícipe”, desconsiderando o fato de que a instituição sempre teve um caráter nacional/internacional e tem parte de seus recursos financiados por mensalidades de alunos de outras cidades (e de outros estados também). Elos de confiança não foram construídos; a incerteza e desconfiança imperam. A experiência conjunta e compartilhada entre profissionais de ambas as instituições, que poderia contribuir para a construção de uma cidade que, de fato, seja de todos nós, ainda não ocorreu.

Na Fundação, professores e alunos estão aflitos, aguardando outras medidas concretas, um novo posicionamento oficial da Prefeitura e, principalmente, canais legítimos de diálogo e transparência. De seu lado, a comunidade da Escola instituirá nesta semana de 18 de fevereiro de 2013, uma comissão mista formada por professores, alunos, ex-alunos e pais para dialogar e exigir a resolução da situação.

O diálogo foi recentemente aberto pelo Chefe de Gabinete, Sr. Eduardo Casonato, e pela Presidente da Fundação Pró-Memória e integrante do Conselho de Curadores da Fundação das Artes, Sra. Sônia Xavier, os quais, sensíveis a esta situação, já se mostraram dispostos a medidas concretas de curto prazo, anunciadas inclusive.

Nesta segunda-feira, 18 de fevereiro, às 18h, temos uma reunião com a Direção Geral da Fundação das Artes. Dia 20 de fevereiro, também às 18h, haverá uma Assembleia Geral no saguão da Fundação, para compartilhar com toda a comunidade a situação. E, na sexta-feira, às 9h, ocorrerá uma reunião entre a Comissão da Escola e o Chefe de Gabinete da Prefeitura. 

A definição de Teixeira Coelho sobre cultura pode parecer simples, mas em tempos difíceis é a simplicidade que pode resolver as coisas. A Fundação não é uma escola de ensino regular como o Alcina. Por seu lado, o Alcina não é uma escola de artes como a Fundação. Mas as experiências dos profissionais de ambas as instituições podem construir coisas muito bacanas, das quais a cidade poderá sempre se orgulhar. Basta, para isso, construir uma administração que acredite, de verdade, que a cultura pode e deva ser, sempre, “uma larga e boa conversa”. 

Pois é exatamente isso que alunos, ex-alunos, pais e professores esperam desta semana: que tenhamos largas e boas conversas.


Sérgio de Azevedo, 38 anos, é ex-aluno de administração do Alcina Dantas Feijão e de teatro da Fundação das Artes, quase matemático pela USP, publicitário formado pela USCS, especialista em gestão cultural pela Universidade de Girona/Itaú Cultural, mestre em artes pela USP, professor de produção cultural na FAAP e de teatro na FASCS, iluminador nas horas vagas e tenista somente nas férias. Inspirado em José Saramago, adora dizer que é um homem a procura de uma ilha - uma forma poética de proclamar sua inquietação.

Um comentário:

  1. Sou Andressa ex-aluna de Teatro do Sérgio e da Vanessa.
    Gostaria de saber como foi a reunião de ontem... teve alguma novidade?

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